Quinta do Valongo, Vacariça, Mealhada, décadas de 70 e 80 do século XX.
Pela rua principal, da capela até ao café do Belmiro, o gaiteiro, com passo compassado, desce a tocar, com os mordomos da festa de dezembro a acompanhá-lo no peditório pelo povo para a festa de todos. A criançada, de traços humildes, agarrava-se às calças do gaiteiro e percorria, também ela, as ruas da aldeia, em alegre harmonia. A música, essa, comandava toda esta procissão do peditório. Uma gaita, uma caixa e um bombo, assim era constituído o trio de gaiteiros tradicionais “Os Carriços”, nome arrancado, porque criado, a esse tocador maior da gaita de fole, Joaquim Carriço, residente na hoje denominada, em justa homenagem, Rua do Gaiteiro, na aldeia da Quinta do Valongo, ali às portas da Quinta do Valdoeiro, na estrada que liga a Pampilhosa do Botão ao Luso.
Entre a criançada, lá ía eu, criado que ali fui, na aldeia natal da minha saudosa mãe. O ti ‘Jaquim e os gaiteiros não mais me largaram pela vida adiante e hoje, aqui, com esta edição, uma homenagem lhes presto.
Em agosto de 2014, num domingo, os gaiteiros tradicionais “Os Carriços” vieram a Alvoco das Várzeas, essa aldeia postal do concelho de Oliveira do Hospital e terra natal do meu pai, para tocarem nas Festas do Rio. Chegaram, afinaram as gaitas, duas naquele dia, uma galega e outra transmontana, do ti ‘Jaquim e do Fábio, com o inventivo Victor Costa na caixa e o ‘Manelito’ Carriço, filho mais novo do ti Joaquim e meu amigo de infância, no bombo, e partiram em arruada pela aldeia, espantada por estar a ouvir um som e uma música de presença muito pouco habitual por estas bandas (os gaiteiros da região de Coimbra acabam ali para os lados da Espinheira, Penacova, sendo que na Beira Serra este é um som que não se escuta habitualmente), mas, simpáticos como sempre, os alvocenses iam dando as boas vindas aos gaiteiros (faixa “Arruada”).
Depois da arruada, ao chegarem à Ponte Medieval, deu-se um dos momentos altos desta visita: os gaiteiros a tocarem debaixo do arco grande da ponte e com os pés dentro da água amena e cristalina do rio Alvoco. Um momento único para eles e uma ressonância sonora de contornos singulares (alguns anos antes, também as gaiteiras Gira Foles ali haviam tocado, para gáudio delas e nosso também). (faixa “Na Ponte Medieval…”)
A tarde foi passada na Praia Fluvial, em ameno convívio com a população local e forasteira, culminando com a actuação d’Os Carriços, naquele espaço (faixas “Concerto (parte 1)” e “Concerto (parte 2)”), sem que antes tenha gravado um pouco da história de vida do amigo Joaquim Carriço e da sua paixão pela gaita de fole e pela música tradicional (faixa “Joaquim Carriço, O Gaiteiro”).
Antes da hora da partida, já na aldeia, novamente, junto à casa dos meus pais, o ti ‘Jaquim tocou sozinho a sua gaita e reencontrou-se com a minha mãe, sua amiga de infância (faixa “Joaquim Carriço e Sílvia Neves, o Reencontro”), para uns quantos minutos de conversa e convívio.
Este é o trabalho que lhes presta homenagem, a minha forma pessoal de lhes dizer OBRIGADO, extensível, como não poderia deixar de ser, a todos os gaiteiros deste país, em especial aos da região de Coimbra onde, umbilicalmente, estamos ligados.
Um forte abraço ao ‘Manelito’, ao Victor, ao Sérgio e ao Fábio por continuarem a perpetuar e a divulgar o legado do ti Carriço, quer na companhia dele, quer não.
Ao António Freire, divulgador da gaita de fole por terras beirãs (e não só) e à Associação Portuguesa para o Estudo e Divulgação da Gaita-de-foles, expresso igualmente o meu sincero agradecimento.

Luís Antero
11.2018