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Campan​á​rio de Lourosa, Uma Paisagem Sonora

by Luís Antero

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about

Na edição deste ano da Feira Moçárabe de Lourosa, localidade e freguesia do concelho de Oliveira do Hospital, em agosto passado, levei a efeito, juntamente com José Luís Morgado, o sineiro da Igreja Moçárabe de Lourosa, a peça sonora "Campanalogia do Burgo de Lourosa", numa performance in loco e ao vivo do cimo do campanário associado à igreja de S.Pedro, única de seu estilo em Portugal em excelente estado de conservação, datada de 912 d.c. e Monumento Nacional desde 1916, a cerca de 15 metros de altura.

Para essa peça, realizei uma série de gravações sonoras com José Luís Morgado, no cimo do campanário, com os vários toques que se ouvem semanalmente na aldeia, e noutras ocasiões festivas ou de rituais de passagem, e depoimentos vários do próprio José Luís Morgado acerca do seu sentimento de ser sineiro e sobre os toques em si.

Por outro lado, a musicóloga e professora Maria José Borges, na base do campanário, tirava notas várias tentando transcrever ritmicamente os diversos toques (que serão oportuna e futuramente apresentados em notação musical rítmica) e forneceu, amavelmente, o texto escelso e explicativo que acompanha esta edição e que se encontra abaixo (a versão original, com fotografias, encontra-se aqui: luisantero.tumblr.com/post/167245413656/248-edição-de-campanário-de-lourosa-uma

O meu sincero agradecimento à Dra. Maria José Borges, ao Sr. Américo Figueiredo, Presidente da Junta de Freguesia de Lourosa à data das gravações, ao Arqueólogo e colega profissional Rui Silva e à Sra. Vereadora da Cultura da Câmara Municipal de Oliveira do Hospital, Prof. Graça Silva, por terem acreditado neste trabalho e contribuído para a salvaguarda do património imaterial da freguesia de Lourosa.

Bem-hajam!

Luís Antero, 10.2017


"Os campanários (e sua função histórica, social e musical)

Os campanários (do latim campana=sino) ou torres sineiras das igrejas, têm tido, desde o início do Cristianismo, um papel fundamental para o próprio culto cristão, não apenas porque chamavam para a Eucaristia (ou Missa) e assinalavam momentos importantes da vivência cristã (casamentos, funerais, etc.) e até social e política dos povos (incêndios, guerras, etc.), mas pela própria sinalização do Tempo que foram efectuando ao longo dos séculos. Sendo os relógios, nas épocas mais recuadas, objectos de uso ainda muito restrito, eram os sinos nas igrejas que assinalavam a passagem do tempo, chamando para os respectivos Ofícios.

Com efeito, para além da Eucaristia, um dos momentos do culto, que desde o início marcou fortemente a vida dos cristãos, é o da Oração das Horas, ou Horas canónicas, também chamadas de Ofício Divino. Essa prática reportava-se à tradição judaica da santificação do tempo e promovia uma oração comunitária nas horas mais importantes do dia. Os cristãos, mas sobretudo os primeiros monges (a partir do séc. IV e V com o aparecimento das primeiras Ordens Monacais), organizaram momentos de oração comunitária ao longo das 24 horas diárias. De acordo com a contagem romana do tempo, obtém-se o seguinte quadro que dá a distribuição do Ofício das Horas:

SOL ORIENS (NASCER DO SOL):

Hora prima (6-7 h.)
Hora tertia (8-9 h.)
Hora sexta (11-12 h.)
Hora nona (14-15 h.)
Hora duodecima (17-18 h.)

SOL OCCIDENS (PÔR DO SOL):

Prima vigilia (18-21 h.)
secunda vigilia (21-24 h.)
Tertia vigilia (0-3 h.)
quarta vigilia (3-6 h.)


Essas horas ficaram conhecidas, posteriormente, por outras designações, ainda presentes em alguma população mais idosa (sobretudo nos campos, talvez ainda não há muito tempo...):

Horas Menores _ PRIMA, TÉRCIA, SEXTA E NOA
Oração da manhã - LAUDES
Oração da tarde (vespertina) – VÉSPERAS
Oração da noite – COMPLETAS
Oração das vigílias – MATINAS

Sendo assim, é um facto que, além do respectivo reportório musical que serviu essas Horas canónicas ao longo do tempo (celebrizado em importantes obras de reportório musical erudito), também, durante séculos, antes da vulgarização do relógios, eram os campanários das igrejas que marcavam o ritmo diário das pessoas ao tocarem para as Matinas (logo no início do dia), ou Vésperas (ao fim da tarde). A isso se refere, por exemplo, a célebre canção francesa Frère Jacques, aludindo ao frade dorminhoco, que nem ao toque das Matinas desperta para ir fazer as suas horações: «Frère Jacques, Frère Jacques, dormez vous? dormez vous? Sonnent les Matines, Sonnent les Matines, Ding, Dang, Dong, Ding, Dang, Dong».

Por estes motivos, os sinos associados às igrejas são considerados peças sagradas, tanto pela Igreja Católica, como pela Igreja Ortodoxa(a igreja oriental) sendo usualmente baptizados quando da sua primeira utilização. Do ponto de vista musical e organológico o sino é um instrumento de percussão, do tipo Idiofone, na medida em que é um cone oco em metal (geralmente bronze) que ressoa quando golpeado internamente por uma lingueta em cujo final se localiza uma esfera livre, ou badalo, ou quando percutido externamente por um martelo (peça que bate o sino por fora). Quando utilizados em diversos tamanhos que permitem executar uma pequena melodia, designam-se de carrilhão.

O campanário de Lourosa

A associação de campanários a igrejas é, pois, muito antiga. Em relação à igreja de Lourosa, o actual campanário «no topo NE. do adro, em posição isolado, e acesso pelo lado E., de dupla sineira, e alta base granítica de silharia regular» data, presumivelmente do século XV, sendo em notório estilo gótico, devido ao arco em ogiva onde se inserem os dois sinos. Desconhecemos se a sua localização teria sido na mesma localização original deste, ou seja, junto à entrada da igreja (W.), como era costume na época medieval. Poderá ter substituído, porventura, outro mais antigo.

De facto, segundo refere o cónego Aguiar Barreiros, teria existido um primitivo campanário anterior a este, pois encontrou-se uma pedra no enchimento do maciço do campanário que apresentava duas cavidades onde teriam funcionado os eixos de dois sinos. Isso apontaria, segundo o mesmo autor, para a existência de outro campanário duplo anterior ao actual. Também Nogueira Gonçalves refere «uma escada que partia da saida (a W.) da nave do norte e se alçava ao longo da galilé; poderia ter servido de acesso a um campanário anterior ao do sec. xv, e que depois da reforma seiscentista da galilé ficou a dar servidão ao coro».

Até inícios do século XX ostentava uma escadaria que já não existiria em 1911, data das primeiras fotografias de Lourosa efectuadas pelo fotógrafo e editor de arte Marques Abreu (vide fotos 1 e 2)

No âmbito das grandes obras de restauro da igreja que ocorreram na década de 30 do século XX, seria remetido para a parte posterior da mesma, para permitir uma melhor visualização da igreja, local em que hoje se encontra."

Maria José Borges

Bibliografia:

BARREIROS, Cónego Manuel de Aguiar, A igreja de S. Pedro de Lourosa, Porto, 1934 (ed. ilustrada de Marques d'Abreu) CORREIA, Virgílio, Distrito de Coimbra, in «Inventário Artístico de Portugal», vol. IV, Academia Nacional de Belas-Artes, Lisboa, 1953 (reorganizado e completado por A. Nogueira Gonçalves) ,Distrito de Coimbra-Lourosa». Pag. 169-176
PESSANHA, D. José, S. Pedro de Balsemão e S. Pedro de Lourosa, Coimbra: Imprensa da Universidade, 1927


Maria José Borges. Licenciada em História; licenciada em Ciências Musicais; Mestre em Musicologia Histórica; diplomada com o Curso Superior de Piano do Conservatório Nacional. Docente de História da Cultura e das Artes/Música e de Organologia e Psico-Acústica na EAM-CN (Escola Artística de Música do Conservatório Nacional).
Com ligações familiares a Lourosa.

credits

released November 7, 2017

Gravações Sonoras de Campo/Field Recordings: Luís Antero
Local/Location: Lourosa (Campanário da Igreja Moçárabe de S. Pedro de Lourosa)
Sineiro/Bell-Ringer: José Luís Morgado
Texto/Text: Maria José Borges
Ano/Year: 2017
Foto de Capa/Cover Photo: Joaquim Vasconcelos/LA
Artwork: LA
Equipamento/Equipment: Zoom H5 + audio-technica BP4029 stereo shotgun mic
(cc) 2017

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Luís Antero Portugal

Paisagista sonoro. Desenvolve desde 2008 um trabalho de recolha e documentação do património acústico de várias zonas do território nacional, com base em gravações sonoras de campo...

Sound artist. Since 2008 he develops an ongoing project in collecting the immaterial sound heritage of various areas of Portugal, through field recordings...
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